sábado, 29 de outubro de 2011

Já era dia e tudo parecia tão discreto. Até mesmo o cinza que pintava meu rosto como nuvens carregadas de tempestade. Sorria como se tudo fosse um novo início. Como se tudo tivesse derretido. Já era tarde. Não sorria mais. Voltei ao estado normal de algumas horas atrás. Forçava qualquer expressão de conforto, tentando trazer aquele passado próximo para o futuro torto, incorreto. Seria mais fácil recomeçar um caminho que fosse outro. É isso que eu costumava pensar entre as fumaças do meu cigarro, observando a chuva pela janela e me perdendo em barulhos obtidos do viadulto. Eu gostava de apagar a luz. Não existia cor. Tudo isso saía de dentro de mim. Me inspirava em qualquer canto de casa. Mas permanecia quieto, me deparando com novos pensamentos que viravam fixos. Pensamentos que me matavam lentamente. Corria pelos cômodos. Corria para o mesmo canto. Voltava a sorrir. Pensamentos estes que latejavam, espremiam meus méritos. Minhas conquistas ou não-conquistas. Meus planos não-feitos. Seja como for. Estava doendo. Doía. Sangrava. Não sorria mais.
Calculando cada passo de você até mim, contando suas expressões em meio tempo, até me olhar nos olhos. Mas você para de caminhar e se distrai facilmente. O que há de tão complexo entre esse espaço que me entorpece, me entristece e me prende de longe? Com os cálculos - ainda - na tua direção. Pálpebras inquietas, mãos frias e talvez suadas, mesmo sem tocá-las, parecem úmidas. Quebráveis. Eu continuo observando, quieto, notando seus gestos trêmulos, expressões de uma vida estúpida e oca, mas coberta de disfarços. Autêntica, carregada de pilhas descarregadas. Mas você sorri, não pra mim, mas sorri sem rastros de qualquer passado doloroso que tenha vivido. Na tua alma, eu já senti suas recaídas... e se falassem, eu poderia tirá-las à limpo. Doce menina medíocre, eu não desvio meu olhar de você, eu não consigo deixar de te olhar.
De alguma forma, cresci. Mas cresci por fora. Eu continuo pequeno demais por dentro. Nunca fui sonhador, nunca tive princípios, nunca cheguei à uma conclusão. Vivo desistindo, desamando e desarmonizando. Me sinto um retrato (talvez) bem falado, mas como se aquela foto que consta ali, perto de um monte de miniaturas de enfeites coloridos, existisse um ser-humano sorrindo, e que ele tivesse certeza que ninguém desconfiaria que aqueles lábios vivem sangrando. Usei tantas palavras para somente dizer que eu não sou o que transpareço. E que provavelmente as pessoas não me conhecem por inteiro.
Era domingo à tarde. Sol de Setembro. Duas amigas e eu. Uma garrafa, duas amigas e eu. Pra ser sincero, eu nunca estive tão bem e desligado de tantas coisas cômicas que tem me atingido em silêncio. Quero dizer que sempre guardei esses medos concretos dentro de uma caixinha de papelão. É tão fácil de rasgá-la, desvendá-la, mas não pude ver ninguém que soubesse fazer isso. Aliás, nunca existiu nem se quer uma tentativa. Isso não vem ao caso. Eu preciso contar à vocês que nunca fiquei tão bêbado e porco e desajeitado e sujo como naquele dia. Digo isso aos olhos dos que me olham. Eu, eu mesmo, eu não sei como sou, certamente não consigo me enxergar. Às vezes eu me filmo pra ter certeza de que meu sorriso amanheceu autêntico. Então, voltando ao mesmo assunto, naquele dia quente pra caralho, de pernas bambas, o show havia começado. Só lembro que era uma quadra no centro de algumas arquibancadas cheias de lugares ocupados e mentes vazias. Inclusive a minha. Eu só conseguia mostrar o dedo do meio para todos que sentavam à frente. Não sei, não pergunte o porquê, mas eu necessitava expor isso de alguma forma. Com um dedo. Cara, quão ridículo eu fui, mas juro que estava incapacitado de perceber tamanha futilidade. Subi as escadas e sentei no meio de duas pessoas que agora eu não lembro quem. Os gritos eram tão fortes que eu pude escutá-los no estado que eu me encontrava. Só sei que quando os integrantes entraram no palco, imediatamente eu cai de volta à mim. Foi doloroso. Algumas lágrimas não paravam de escorrer, algumas pessoas não paravam de me olhar e eu quis tirar um pouco essa capa que me cobre. Ainda cobre, mas naquele momento eu pude respirar. Enviei-te uma mensagem típica de gente-carente-mendigando-desprezo, sabe? Mandei. Esperei resposta. Não houve nem sinal. Eu cheguei à uma conclusão. Egoísta, talvez. Essa capa que me cobre e me esconde um pouco de tudo que eu sou, tem sido a minha única base de existência. Eu vivo dentro dela, no escuro.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Eu não sei mesmo qual é a lógica da vida. Digamos que eu também tenha perdido a conexão com as palavras. Normalmente os escritores escrevem na intenção de indignar o leitor. Acontece que eu eu estou tão carregado de tristezas, que ultimamente eu tenho colocado eu nos textos. E é tanta besteira oca que eu digo, que acabo perdendo o encanto e o encaixe das palavras. Hoje foi um dia muito silencioso. Aliás, foi barulhento, mas dentro de mim tudo estava tão sigiloso. Eu não sei exatamente o que tenho que fazer quando certas coisas me invadem e eu não sei e não faço ideia de combate-las, porque é algo tão caótico e inexplicável. Às vezes eu tento me enturmar, rir, me esquecer um pouco, mas são risadas tão vazias que chega a doer na alma. Dói porque eu não tenho sido autêntico, e eu tenho revelado todas as minhas angústias pelos olhos, que já estão adoecidos demais pra quem tem uma vida inteira pela frente. Bom, fiz disso um diário de bordo. Talvez eu precise me tratar, me internar ou levar algumas surras. Boa tarde.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Logo eu que desaprendi à julgá-los, mesmo que tão sujos permanecem, tão desinteressantes e burros demais. Logo eu que não sei mais falar, opinar, criar, amar, querer e expor, sentir só pra mim, divulgar o que já passou, mas relevando os arranhões que fazem parte do momento. Logo eu que esqueci o passado, que esqueci de você. Logo eu que esqueci de voar, de tentar, de insistir. Logo eu que vivo nesta cama, falando sozinho, alegrando meus prantos, tentando finalizar. Logo eu que deixei tudo de lado na intenção de respirar, acabei deixando de lado o oxigênio também. Logo eu que talvez tenha esquecido - desistido, porque não há mais ânimo de nova vida. Logo eu, logo eu que não tenho mais nada e continuo sorrindo...

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Girassol, bem-me-quer, mal-me-quer. Tudo bem, eu não precisava jogar meu celular contra a parede. Mas porra, o que querem comigo? Não fazia mais sentido atender aquele objeto fútil com botões e responder que sim, tudo está perfeitamente bem. E ao certo, minha vida estava completamente-aboslutamente-perdidamente-podre. Eu não vi o dia nascer. Irei fazer uma vegetação para combinar com o sinônimo do meu eu, de toda essa revolta planejada em momentânea que virou imortal. Filha da puta. Mas combinaria mesmo com minha magnífica rotina: vegetar. Daí eu me imagino como maracujás murchos sentindo falta do girassol, mas as pétalas já estavam soltas pelo quarto. O maracujá ficará lá, sendo pisoteado. Maldito maracujá, burro e fraco: eu. Eu? Tirei cada parte da sua companheira e ela não existe mais. Como se cada pedaço fosse uma parte de seu corpo. Mesmo que, pacíficamente, às vezes a insanidade sobe até o pescoço. Falar com frutas é o ato mais alienado-carente de toda modernidade. Sapatiei sob as pétalas, levantei-me de onde quer que eu estava e acendi um cigarro. Bonjour, cigarro! Com um sorriso mentecapto. Qual é a sua companheira? Quero poder esfaqueá-la, assim como esfaquearam a minha.